Laís ouve, mas parece perdida em
outros pensamentos. Eu insisto em tentativas de esclarecer os assuntos
programados. Partes de um conteúdo aparentemente alienígena para ela. Tento
buscar conexões com o seu cotidiano. Sem muito sucesso.
Olhos desconfiados. Olham, mas
esquivam. Fazem contato frontal, mas por uma fração de segundo. Logo miram a
mesa. Movimentos rápidos. O que teriam visto esses olhos ao longo de treze anos
para serem tão desconfiados?
Boca silenciosa. Dúvidas? Hum,
hum. Na negativa. Palavras raras e difíceis de serem arrancadas. Monossílabos.
Meu estômago ronca. Faz um barulho que me deixa até com vergonha.
Cheguei ao limite do suportável e sou vencida pela necessidade. Chega até nós
uma gentileza servida em guardanapo. Ofereço um pedaço de bolo, enquanto mordo
o carboidrato com prazer. Não tenho fome, ouço como resposta. Não sabe o que
está perdendo, tento argumentar para convencer. Mas não funciona.
Acabou o horário.
- Sua mãe não disse que vinha te
buscar? Nós a ouvimos dizendo que vinha te buscar!
- Vou embora sozinha, encontro
ela no meio do caminho.
- Mas está escuro e a rua está
deserta! Pode ser perigoso!
Alguns minutos se passam. Laís,
sentada na cadeira, mantém o mesmo olhar de antes. Agora, talvez mais
impaciente.
Ligam para a casa de Laís.
Procuram o número antes, porque ela não sabe o telefone de onde mora.
- A mãe disse que é para ela ir
sozinha, que encontra ela no meio do caminho.
Prontamente, digo que acompanho a
menina até o portão. Tento segui - la pelo jardim íngreme e mal iluminado , mas seus passos são
mais rápidos e ágeis que os meus. No caminho, encontro a superiora hierárquica.
Por um instante de distração cumprimentando quem chegava, quase perco Laís de
vista.
Agora, corro até o portão. Queria
ver Laís pelo menos um pouco pela rua, observar se está tudo bem pelo menos uma
parte de seu caminho. Chamo seu nome, tento me despedir, ela olha de relance
para trás. Lábios emudecidos, novamente.
Acompanho de longe seu caminhar.
Caderno seguro por uma das mãos, velocidade constante. Laís dobra a esquina
sombria e desaparece num quase breu. Segue o rumo para sua casa, em meio a
caminhos sinuosos, construídos sem planejamento urbano e precariamente
iluminados. Esse é o mundo que Laís conhece.
Pensei no quanto ela achou
estranho o iluminismo, que durante horas apresentei para ela. Não sabia o que
significava a palavra França. Não sabia em qual continente estamos. Apontou a
Ásia no mapa. Cheguei a sentir vontade de chorar. Laís ainda desconhece as
razões do seu desconhecimento. Mas eu não. Conheço muito bem os responsáveis
pela tragédia.
Mas nem o bolo de banana com
canela ainda conquistou a sua confiança.
Frustração? Não. No magistério só
conheci a esperança. E ela sempre foi vermelha de luta.
Muito Bom! Não sabia que você escrevia tão bem!
ResponderExcluirMuito Bom! Não sabia que você escrevia tão bem!
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