quarta-feira, 15 de julho de 2015

Numa tarde de aula

Laís ouve, mas parece perdida em outros pensamentos. Eu insisto em tentativas de esclarecer os assuntos programados. Partes de um conteúdo aparentemente alienígena para ela. Tento buscar conexões com o seu cotidiano. Sem muito sucesso.

Olhos desconfiados. Olham, mas esquivam. Fazem contato frontal, mas por uma fração de segundo. Logo miram a mesa. Movimentos rápidos. O que teriam visto esses olhos ao longo de treze anos para serem tão desconfiados?

Boca silenciosa. Dúvidas? Hum, hum. Na negativa. Palavras raras e difíceis de serem arrancadas. Monossílabos.

Meu estômago ronca.  Faz um barulho que me deixa até com vergonha. Cheguei ao limite do suportável e sou vencida pela necessidade. Chega até nós uma gentileza servida em guardanapo. Ofereço um pedaço de bolo, enquanto mordo o carboidrato com prazer. Não tenho fome, ouço como resposta. Não sabe o que está perdendo, tento argumentar para convencer. Mas não funciona.

Acabou o horário.

- Sua mãe não disse que vinha te buscar? Nós a ouvimos dizendo que vinha te buscar!

- Vou embora sozinha, encontro ela no meio do caminho.

- Mas está escuro e a rua está deserta! Pode ser perigoso!

Alguns minutos se passam. Laís, sentada na cadeira, mantém o mesmo olhar de antes. Agora, talvez mais impaciente.

Ligam para a casa de Laís. Procuram o número antes, porque ela não sabe o telefone de onde mora.

- A mãe disse que é para ela ir sozinha, que encontra ela no meio do caminho.

Prontamente, digo que acompanho a menina até o portão. Tento segui - la pelo jardim  íngreme e mal iluminado , mas seus passos são mais rápidos e ágeis que os meus. No caminho, encontro a superiora hierárquica. Por um instante de distração cumprimentando quem chegava, quase perco Laís de vista.

Agora, corro até o portão. Queria ver Laís pelo menos um pouco pela rua, observar se está tudo bem pelo menos uma parte de seu caminho. Chamo seu nome, tento me despedir, ela olha de relance para trás. Lábios emudecidos, novamente.

Acompanho de longe seu caminhar. Caderno seguro por uma das mãos, velocidade constante. Laís dobra a esquina sombria e desaparece num quase breu. Segue o rumo para sua casa, em meio a caminhos sinuosos, construídos sem planejamento urbano e precariamente iluminados. Esse é o mundo que Laís conhece.

Pensei no quanto ela achou estranho o iluminismo, que durante horas apresentei para ela. Não sabia o que significava a palavra França. Não sabia em qual continente estamos. Apontou a Ásia no mapa. Cheguei a sentir vontade de chorar. Laís ainda desconhece as razões do seu desconhecimento. Mas eu não. Conheço muito bem os responsáveis pela tragédia.

Mas nem o bolo de banana com canela ainda conquistou a sua confiança.


Frustração? Não. No magistério só conheci a esperança. E ela sempre foi vermelha de luta. 



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